Os Fotopoemas de Volpato
Carla Ceres (*)
Um leitor desavisado poderia imaginar que este livro contém um grande poema dividido em pequenas estrofes e, partindo desse engano, concluir que sua leitura é dificílima. Já vi isso acontecer. É com alívio que as pessoas descobrem que cada “estrofe” é um poema independente. O erro ocorre porque estamos acostumados a poemas com títulos, algo raro na obra de Irineu Volpato. Reparem que o título do livro é, na verdade, um poema sem título, como os demais neste álbum de fotopoemas.
Fotografrar com palavras, mais uma arte sobre a qual o poeta/fotógrafo Irineu Volpato demonstra domínio. Literatura e fotografia unem-se na criação dos pequenos poemas deste livro. O autor os chamou “motemas”, neologismo composto por “mote” e “poemas”. Ocorreu-lhe também o termo “lampoemas”, por serem “lampejos”, retratando instantes da mesma rapidez com que os flashes fotográficos capturam imagens: era uma rua velhada/duma cidade vencida/apropriada a fotógrafos .
Irineu Volpato é um excelente fotógrafo. Seus trabalhos estão longe dos meros instantâneos tirados sem elaboração técnica. O mesmo ocorre com seus poemas: sovai bem as palavras/que quando forem aplicadas/não se despojem/do que intentavas dizer. São breves linhas costurando a beleza do instante, porém utilizam recursos sofisticados. Neologismos inovações sintáticas recriam o ambiente rural e a fala caipira.
Alguns motemas assemelham-se ao haicai pela brevidade,por retratar a natureza simples enquanto mudam as estações do ano e por uma forma quase zen de elaborar a impermanência. Outros lembram minicontos: se mudou para Tungal/onde serra se empina/ali nasceram as meninas/e um filho que o fez pagar/os seus pecados na vida.
Neste livro a poesia inconfundível de Irineu ganha em subjetividade, apresenta-se mais compassiva, afetuosa, compreensiva. Os sofredores recebem carinhos acanhados de quem, acostumado à aspereza, procura vencer seus modos bruscos: ah – não fosse essas velhinhas/e suas rezas enredeiras/com seus dedos em nós dos terços/pra amansar os bofes de Deus... A aridez fica na paisagem e é digna de lástima quando se comunica às pessoas.
Quando terminamos a leitura, concluímos que, de certa forma, o livro talvez contenha um poema único: a história dum artista que teve uma infância feliz, mas sem mimos, em um ambiente rude, onde a sensibilidade se educou para perceber e revelar a alma alheia sem revelar-se a si mesma.
(*) Escritora e membro da Academia Piracicabana de Letras
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